quinta-feira, 1 de setembro de 2016

MEGAN BRADBURY


Hoje na Sábado escrevo o primeiro “romance” de Megan Bradbury, centrado em Nova Iorque. Por que será que nove em cada dez livros são actualmente classificados como romances? Onde Todos Observam, o referido livro de estreia, é uma interessante narrativa de não-ficção construída a partir de fragmentos biográficos de habitantes ilustres da cidade, tais como Walt Whitman, Robert Moses, Edmund White, John McKendry, Robert Mapplethorpe, Patti Smith e outros. Um apêndice final remete para a bibliografia, filmografia e discografia atinente. Diz a autora: «Acredito que tem de existir uma forma de escrever ficção sobre o real…» Curiosa afirmação por parte de uma especialista em escrita criativa. Portanto, Balzac, Zola e Faulkner nunca existiram. Onde Todos Observam cruza de forma hábil as vidas de gente que faz parte da memorabilia de Nova Iorque. A infância e adolescência de Mapplethorpe em Queens e Brooklyn, o encontro com Patti Smith, a conquista de Manhattan com o patrocínio de John McKendry, o curador de fotografia do MET. O regresso de Edmund White após oito anos em Paris. O sonho de Robert Moses, o homem que deu uma praia aos novaiorquinos. (No século XX, Moses foi o mais influente urbanista americano. Entre outras obras que mudaram a vida da cidade, está Battery Park.) As memórias de Whitman filtradas por Richard Maurice Bucke, o psiquiatra canadense que escreveu a sua primeira biografia. Referências aos nus masculinos de Thomas Eakins, bem como a fotografias de Jacob Riis, Berenice Abbott e Lewis Hine, mas também obras de Nan Goldin, Laurie Anderson e Gordon Matta-Clark, pontuam a narrativa. Nem sequer falta o Chelsea Hotel. De certo modo, Onde Todos Observam é uma espécie de guia artístico de Nova Iorque. Mas um leitor menos versado perde-se na vertigem do name-dropping.  A trama de Megan Bradbury não ignora a Nova Iorque falida e permissiva dos anos 1970, quando nos decrépitos pontões do Hudson a comunidade gay dava livre curso a todas as pulsões. De passagem, são referidas as razões que levaram Edmund White a escrever Hotel de Dream (2007), o livro atribuído a Stephen Crane, jamais encontrado: «Na ausência deste, Edmund escreveu-o ele mesmo.» Em suma, um livro que se lê com agrado. Três estrelas. Publicou a Elsinore.

Escrevo ainda sobre À Beira da Água, o primeiro volume dos contos reunidos do americano Paul Bowles (1910-1999). Ficcionista, poeta, memorialista, tradutor dos contos orais do pintor Mohamed Mrabet, mas também de Sartre e Genet, Bowles fixou a lenda do expatriado em Marrocos desde que em 1947 trocou Nova Iorque por Tânger, onde viveu até morrer e foi anfitrião da geração beat. A integral dos contos começou agora a ser publicada em Portugal. Este volume colige 29 contos escritos entre 1946 e 1964. Embora grande parte deles tenham sido escritos em Marrocos, a acção decorre em Manhattan, sendo as personagens new yorkers típicos dos anos 1940-50. Neste volume, são os mais consistentes. Veremos se os do próximo alteram o juízo. Facto: Bowles é melhor contista que romancista. Na sua obra, os textos curtos têm uma eficácia superior aos que exigem discurso de longo fôlego. A excepção são os livros de viagens e de memórias, do melhor que nos deixou. É provável que o seu trabalho de compositor (música erudita e scores para a Broadway) esteja na raiz de tudo. Nos contos parece-me evidente. Quatro estrelas. Publicou a Quetzal.