quinta-feira, 25 de agosto de 2016

IRIS MURDOCH


Hoje na Sábado escrevo sobre O Sino, de Iris Murdoch (1919-1999), que é ao mesmo tempo uma romancista de grande sucesso e uma académica respeitada na área da filosofia. Além de ensaios, Iris escreveu poesia, peças de teatro, crítica literária, contos e vinte e seis romances, alguns deles bestsellers em vários países. O Sino, que voltou às livrarias com uma terceira tradução, põe em confronto as regras do materialismo com a deriva “espiritual”, não necessariamente religiosa. As questões morais estão no centro da intriga, como nenhum leitor seu desconhece. O ensaísmo pauta-se por igual preocupação: decerto não por acaso, o primeiro livro que publicou é sobre Sartre. Depois do retrato de Dora, a protagonista, enredada em adultério e nos dilemas típicos dos anos 1950 (origem middle class da aluna e depois mulher de Paul Greenfield, historiador de arte, seu professor na Slade, aristocrata e treze anos mais velho), o romance centra-se no microcosmo da Abadia de Imber, a comunidade laica onde tudo acontece. Forçada a juntar-se ao marido no Gloucestershire, Dora fica refém de situações imprevisíveis, às quais os manuscritos raros do século XIV, móbil da retiro, são indiferentes. A homossexualidade é um dos temas presentes, nos acasos que unem Michael, Nick e Toby, facto curioso se tivermos em conta que o livro saiu em 1958, um ano após a divulgação do controverso Relatório Wolfenden, que propôs a descriminalização no Reino Unido da homossexualidade entre adultos. Iris foi mais longe: mete Michael e Toby num Land-Rover e em três páginas de subtileza inatacável descreve uma epifania. Com 18 anos, Toby tem idade para ser filho de Michael. Leitmotiv da obra de Iris, o conflito entre o Bem e o Mal molda toda a narrativa, por vezes de forma ambivalente: «a mão de Toby encontrou a sua num forte aperto de mão. Ficaram assim juntos em silêncio na escuridão.» O carácter aforístico ou sentencioso da escrita de Iris é deveras interessante: «Era muito magro e tinha aquele ar franco e um pouco insolente das pessoas felizes.» Como este, existem muitos exemplos que lembram de imediato os romances de Agustina Bessa-Luís. A literatura comparada tem aqui terreno fértil. Cinco estrelas. Publicou a Relógio d’Água.

Escrevo ainda sobre Fechada Para o Inverno, de Jorn Lier Horst (n. 1970). Um dia terá de ser feito um estudo sobre os inspectores de polícia que a dado momento da vida abandonam a carreira para serem escritores. Entre outros exemplos, cito Rubem Fonseca e Jorn Lier Horst, embora o brasileiro tenha sobre o norueguês várias vantagens, entre elas a de um imaginário ficcional mais abrangente. Até agora inédito em Portugal, Horst escreve thrillers, sendo os mais conhecidos os que têm o inspector Wisting como protagonista. Fechada Para o Inverno, o sétimo dos dez volumes da série, assinala a sua estreia entre nós. Uma nota introdutória dá a conhecer um minucioso perfil de Wisting (origens, formação, carácter, família), bem como da região onde a história decorre. A moda dos policiais escandinavos terá que ver com o tipo de crimes ficcionados, em tudo diferentes da tradição anglo-americana. O estranho assalto à casa de Verão de um apresentador de televisão célebre é o detonador do plot. A investigação vai da Noruega à Lituânia, tendo a filha de Wisting e respectivo namorado como empecilhos. A sensação de déjà vu é atenuada pela escrita limpa de Horst. Três estrelas. Publicou a Dom Quixote.