quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

JAMES M. RUSSELL


Hoje na Sábado escrevo sobre Um breve guia para Clássicos Filosóficos, de James M. Russell. A tradução de Jorge Pereirinha Pires é correcta, mas o título soa estranho. Visto numa montra, é imediata a tentação de perguntar: e por que não um breve guia para… Clássicos de Filosofia? Uma vez lido, percebe-se. O enfoque de Russell ultrapassa os clássicos de filosofia tout court. Dois exemplos: nem O Estrangeiro (1942), de Camus, nem O Principezinho (1943), de Saint-Exupéry, são obras de filosofia. Contudo, Russell ocupa-se delas, e de mais sessenta e quatro, para estabelecer o fio condutor da tradição filosófica ocidental. Fê-lo com recurso a um largo espectro genológico: romances, livros infantis, ficção científica, etc. Nas sete secções em que o livro se divide, Russell analisa obras de autores tão importantes como (cito apenas metade) Platão, Aristóteles, Descartes, Hobbes, Hume, Kant, Hegel, Gödel, Wittgenstein, Kierkegaard, Dostoiévski, Kafka, Borges, Huxley, Blake, Levi, Rochefoucauld, Freud, Jung, Marx, Engels, Sartre, Adorno, Rawls, Gramsci, Barthes, Lacan, Althusser, Derrida, Lyotard, Foucault, Kristeva e Baudrillard. Russell é claro acerca do propósito do livro: «fornecer breves introduções aos clássicos filosóficos [de forma] o mais acessível possível [explicando] por que motivo cada um destes livros é importante, ou considerado como tal.» Estamos portanto em presença de um verdadeiro companion, de leitura acessível a toda a gente. As secções permitem agrupar os diferentes aspectos da tradição filosófica. Com excepção do texto de abertura, sobre Os Problemas da Filosofia (1912), de Bertrand Russell, os restantes estão listados por ordem cronológica. Cada um dos sessenta e seis textos é autónomo, tendo todos, a fechar, uma ficha de leitura, redigida quase sempre com uma nota de humor. Sirva de exemplo o abstract relativo ao Manifesto do Partido Comunista (1848), de Marx e Engels: «Ter de trabalhar para viver é uma chatice.» Em suma, uma obra imprescindível para avaliar a evolução do pensamento. O volume inclui índice remissivo. Quatro estrelas e meia.

Escrevo ainda sobre 1000 Frases de Vergílio Ferreira. No ano em que se comemora o centenário do autor (1916-1996), Luís Naves organizou um volume que abrange dezasseis temas: Amor, Arte, Autobiografia, Autores, Crença, Destino, Existência, Humanidade, Irrealidade, Melancolia, Memória, Mundo, Palavra, Portugal, Povo, Sabedoria. O antólogo rastreou os romances, os ensaios e o diário vergiliano, para nos dar o retrato do autor de Nítido Nulo. Não admira que Conta-Corrente e, em especial, a primeira série, seja a fonte primordial. Os seus oito volumes, milhares de páginas escritas contra o establishment, constituem a mais incisiva radiografia do milieu literário e, por arresto, do atavismo do país. É interessante notar que o diário surge (1980) no momento em que a ficção de Vergílio inflecte, fazendo pontaria ao eco do jornalismo cultural. Não admira que livros como Para Sempre (1983) e a sequela Cartas a Sandra (1996) estejam na origem da vacuidade daquilo que passa por ficção “nova”. Seria pedagógico replicar o modelo com outros autores. Três estrelas. Publicou a Quetzal, editora que está a reeditar a obra de Vergílio Ferreira.