domingo, 1 de novembro de 2015

DISCURSO DIRECTO, 25

José Pacheco Pereira, ontem no Público. Excertos, sublinhados meus:

«A esquerda portuguesa prepara-se para um casamento, ou, se se quiser, para uma união de facto. Terá os seus votos de noivado no momento em que derrubar o Governo PSD-CDS e casará no dia em que um Governo do PS, com participação ou apoio do BE e do PCP, for empossado pelo Presidente e vir o seu programa aprovado pela Assembleia. O casamento poderá ter muitas fórmulas [...] mas, seja qual for a fórmula, vão selar o seu destino. [...]

É um casamento de alto risco e tem muita coisa que o pode levar a correr mal. Mas há uma coisa que os esposos devem ter clara na sua cabeça, escrita em letras de fogo, tatuada nas mãos e nos braços, para que estejam sempre a ver, é que o divórcio será muito mais gravoso e penoso.

Há várias coisas de que todos os que abraçam esta solução de um Governo de esquerda devem saber, uma das quais é que nada contribuirá mais a favor da legitimidade da solução encontrada do que se cumprir a legislatura inteira. E, se há coisa que este Governo precisa é de um acrescento de legitimidade política, visto que legitimidade formal, tem-na. E isso só vem de governar razoavelmente, onde o óptimo é inimigo do bom, e se o fizer com durabilidade, provocará um ponto sem retorno na vida política portuguesa. Até lá, as fragilidades serão enormes e exigem de quem é parte desta solução que se atenha ao essencial, sem hesitações.

Se o esquecerem, garantem para muitas décadas que a direita governe Portugal, não de forma amável e delicodoce [...] mas de forma vingativa e agressiva. A direita que se vai levantar das cinzas de um Governo de esquerda, caia ele pelo PS, pelo BE ou pelo PCP, falará a mesma linguagem que hoje usam Nuno Melo, Paulo Rangel e os articulistas do Observador. E, por trás dela, em formação regular e militar, estarão os anónimos comentadores, genuínos e avençados, que pululam nas redes sociais, que espumam de fúria e falam numa linguagem que torna o pior do PREC num conjunto de amabilidades. Estes anos de crise do “ajustamento” alimentaram todos os monstros e deram-lhes uma sustentação em fortes interesses, que eles sabem muito bem quanto é perigoso o que se está a passar para a hegemonia assente no autoritarismo do “não há alternativa”. De um lado sabe-se, espero que do outro também se saiba.

[...] É por isso que é vital compreender que esta alternativa exige uma enorme firmeza e capacidade de separar o essencial do secundário. Não se está a jogar a feijões, isto é tudo muito a sério, demasiado a sério, para ser apenas um devaneio ideológico e experimental de homenzinhos e mulherzinhas, mas é para homens e mulheres a sério. Ou então mais vale irem para a casa medíocre do Portugal submisso onde as hierarquias do poder e do dinheiro fazem o que querem, para além da lei e da ética.

Portanto, se entram numa solução deste tipo, têm que dar, neste caso ao PS, alguma margem de manobra para fazer o equilibrismo financeiro que é necessário para cumprir, sem qualquer zelo, o Tratado Orçamental, antes de haver alguma negociação que o modere. Isto exige compreender que não é a mesma coisa ser um Governo PS a fazê-lo nestas circunstâncias graves do que ser um Governo da coligação PSD-CDS. Nem para o bem, nem para o mal. Quando os salários e as pensões forem recuperados, como aliás a coligação também disse que ia fazer, para quem vê o que recebe no fim do mês aumentar, faz toda a diferença saber se isso vem de um Governo de esquerda, que lhe dirá que o faz porque isso é a reposição de um direito que foi sonegado, e que é bom para economia, ou da coligação PSD-CDS, que lhe dirá (se o fizer) que isso se deve à justeza da sua política económica e quererá dessa eventual devolução justificar outros cortes de salários ou pensões e, mais grave ainda, o corte de direitos económicos, sociais e políticos, para prosseguir a mesma política de desigualdade social. Insisto, faz toda a diferença e as pessoas sabem isso. [...]

Se houver uma recuperação da dinâmica da classe média, destruída e radicalizada nestes últimos anos, um afastamento e uma mitigação do poder do PPE, que é aquilo a que hoje chamamos “Europa” (e isso faz com que a experiência portuguesa seja decisiva para as eleições espanholas ainda em 2015), um efeito de moderação, pela experiência de governação, de partidos como o BE e o PCP, uma melhoria das condições de vida dos portugueses e um retomar da sua dignidade, um repor dos equilíbrios no mundo laboral, uma diminuição da radicalização inscrita na sociedade pelo aumento das desigualdades, o extremismo da direita pode ficar acantonado e perder força. Vamos ver