segunda-feira, 31 de agosto de 2015

REFUGIADOS

Por uma vez, temos know-how superior ao dos nossos parceiros da UE. Em 1974-75, Portugal recebeu cerca de 600 mil refugiados das antigas Colónias, sendo 90% oriundos de Angola. Verdade que a Alemanha e os países escandinavos, em particular a Suécia, abriram os cordões à bolsa, mas a logística foi pensada, montada e executada por portugueses. Durante cento e dez dias, entre 17 de Julho e 3 de Novembro de 1975, a ponte aérea coordenada pelo coronel António Gonçalves Ribeiro tirou de Luanda meio milhão de pessoas. O êxodo angolano foi a maior deslocação de civis entre dois continentes alguma vez realizada. Nada de parecido aconteceu noutras ocasiões, nem nos casos traumáticos do antigo Congo belga (1960) ou da Argélia francesa (1962). E quem saiu de Moçambique teve de o fazer pelos seus meios, razão pela qual a larga maioria optou por fixar-se na África do Sul.

A influência de Soares, então ministro dos Negócios Estrangeiros, agilizou o processo, porque Soares tratava por tu os dirigentes da Internacional Socialista, muitos dos quais eram chefes de Governo, como Helmut Schmidt na Alemanha e Olof Palme na Suécia, e fez-lhes ver que a chegada de meio milhão de refugiados a um país do tamanho do nosso era um rastilho para a guerra civil. Um conjunto de medidas de excepção permitiu integrar essas populações no tecido social português. A Administração Pública absorveu nos seus quadros todos os funcionários públicos das antigas Colónias, aposentando expeditamente, qualquer que fosse a idade, os que tivessem 40 anos de descontos comprovados. A chegada de milhares de funcionários das antigas Colónias obrigou ao alargamento dos quadros, permitindo do mesmo passo integrar milhares de funcionários da “Metrópole” sem vínculo ao Estado (contratados, supra-numerários e outros). A Banca, nacionalizada em Março de 1975, absorveu parte dos empregados bancários. Ou seja: apenas os que mantiveram o exercício de funções, nas antigas Colónias, durante dois anos após as respectivas independências. Os que vieram mais cedo foram integrados na Administração Pública. Com regras muito rígidas, a Caixa Geral de Depósitos criou o crédito à habitação, durante vários anos reservado a famílias oriundas do Ultramar. Foram concedidos subsídios de integração e disponibilizadas linhas de crédito bonificado para permitir a rápida absorção dos soi disant “retornados”, facilitando a fixação no interior do país (e a criação de pequenos negócios) de mais de metade dessas pessoas. Tudo isto evitou convulsões sociais de proporções inimagináveis. Há outras variáveis, mas o quadro geral é este.

Ora se isto foi possível há 40 anos, num país pequeno e sem recursos, como é que a Europa no seu todo demonstra hoje tanta incapacidade para resolver o problema dos refugiados da Síria, Iraque, Afeganistão, Eritreia, Sudão, Líbia, etc.? Há uma resposta cínica: os europeus perderam a alma.